sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Ficaram esclarecidos? eu cá não

Não há volta a dar e o formato rígido do debate de ontem ajudou a demonstrá-lo - nada diferencia no essencial estes dois candidatos a primeiro-ministro. Recuperando a alegoria recorrente de Cassete Carvalhas PS e PSD são "o Dupond e Dupont" da política à portuguesa, agora ingloriamente travestida de política à americana. Debate sem calor, sem zaragata, sem improviso, sem contraditório no momento, sem reacções que não fossem as programadas pelos homens do marketing político de ambas as campanhas. Santana precisava de um KO mas nem chegou ao OK. Sócrates lembra vagamente o homem que queria dizer não sei quê, com a cassete das ideias de campanha engolida mas sem conseguir explicar aos néscios (como eu) qual é a forma de pô-las em prática. Ontem ficámos a saber que criar 150.000 empregos em 4 anos não é uma promessa mas sim um "objectivo". Mais uma vitória para o novo léxico de campanha. Ficámos também a saber que Santana pretende dar formação profissional e estágios aos idosos abaixo do limiar de pobreza. Não deixando de ter fome sempre aumentam a auto-estima. E o saber nunca ocupou lugar.
No tema dos boatos houve um progresso - Sócrates deu um esgar à máscara facial que levava para o debate e mostrou-se realmente nervoso e irritado. Santana conseguiu dar ênfase à expressão "cada cavadela uma minhoca". Ao invés de distanciar-se do caudal de boataria de temática homossexual escudou-se na opinião de pulido valente e até afirmou, com bonomia, que tem "amigos homossexuais". Santana está portanto à vontade nesta matéria, tão à vontade como o dumbo na loja da vista alegre.
Trouxe-se à liça de forma recorrente Guterres e Barroso, com acusações trocadas. Santana decorou números como eu decorava a tabuada, ansiando sempre que me saísse a dos "5". Sócrates falou 3 ou 4 vezes em "bom governo", "mudança" e "voltar a acreditar". Como? Ninguém sabe. Não se falou de Educação, Justiça, Saúde, Europa, Cultura, Política Internacional, entre outras. Armámo-nos em holandeses super-modernos e agora os temas quentes da campanha são aborto, clonagem, eutánásia, fertilização in-vitro e por aí fora. Só faltou a bandeira das drogas para que pudessem afirmar como Clinton "eu fumei mas não inalei". Que haja dezenas de milhares de pessoas em lista de espera para operações (o que para Durão impedia a construção do novo aeroporto), que um processo em tribunal dure em média 10 anos ou que sejamos os piores alunos da OCDE nada disso importa. O pior é se a bonomia dos europeus ricos acaba em 2007 e ficamos com o elevador do desenvolvimento encravado na subcave, como diz Luis Afonso no seu cartoon de hoje.
A tecnocracia do debate tolheu o demagogo Santana mas Sócrates não conseguiu ser tão afirmativo como seria de esperar de um homem que, efectivamente, vai liderar o país durante os próximos anos. Findo o debate mudei para a SIC Notícias, com o seu painel de comentadores. Oportunidade para rir a bandeiras despregadas com Luís Delgado, que devia ganhar o título de Ricardo Araújo Pereira da social-democracia jornalística. Teorias fedorentas da superioridade santanista em registo de alta comicidade. Haja saúde meu deus.