domingo, outubro 05, 2003

Velho Continente

Segundo o ex-confiscador de móveis da faculdade de direito, sr Durão Barroso, poderá ter chegado a altura de referendar as questões europeias em Portugal. Estranho esta disponilidade para a consulta popular, vinda de um partido que manteve com os seus congenéres socialistas um acordo tácito de convergência na questão europeia. Sob o argumento da legitimidade representativa, expressa pelo "povo" nas eleições legislativas, o centrão da política portuguesa (PSD + PS) sempre evitou consultar directamente os portugueses em questões como Maastricht, Amesterdão ou Moeda Única. Mais estranho esta disponibilidade quando há muito pouco tempo o projecto de construção europeia sofreu mais um abalo de forte carga simbólica com o Não sueco ao euro. Nem a força eleitoral dos maiores partidos suecos conseguiu convencer o cidadão comum das vantagens da mudança, o que poderia levar a pensar que o Bloco Central português pode falhar na mobilização do eleitorado. Mesmo assim, o sr Durão mostra disponibilidade para a consulta, o que me leva a pensar que o cidadão eurocalmo Paulo Portas volta a pesar muito no posicionamento do governo. A realização de um referendo europeu deve agradar imenso aos conjurados do Caldas, que sempre viram a Europa como uma ameaça à soberania e independência nacionais, à semelhança aliás da sua némesis PCP. Pelos vistos, o sr Portas, que acabou por criar um novo adjectivo para a língua portuguesa, vai levando a água ao seu moinho, ganhando cada vez mais ascendente numa coligação de que ele é figura charneira.
Temos assim perante as questões europeias uma coligação caricata de uns senhores europeístas que temem o eleitorado com uns senhores "eurocalmos" que temem os imigrantes e tudo o que lhes cheire a estrangeiro. Exceptuando o capital estrangeiro, claro, mas esse também não tem pátria nem cor. O partido do sr Barroso canta loas à Europa; o partido do sr Portas quer mais Atlantismo, ou seja, mais EUA.
Não obstante as diferenças é muito provável que partam coligados para as eleições...só falta daqui a uns meses ver o protofascista Fini de regresso a Portugal, exaltando as virtudes de Sá Carneiro e aí a fusão oportunista será completa.
Penso que o dito referendo se impõe e até acho que peca por tardio. Espero somente que a classe política nacional conduza este processo por forma a que ocorra um referendo legítimo e vinculativo, com elevada participação eleitoral, sob pena de passarmos por outra vergonha de cidadania como a que sucedeu aquando da consulta da IVG.